quarta-feira, 19 de maio de 2010

Entre a cachaça e o etanol

ENTREVISTA Everardo Ferreira Telles empresário (9/5/2010) 

Com 2 fábricas no Ceará e uma no Rio Grande do Norte, a Ypióca promete fornecer um terço do etanol que o Ceará consome. Seu controlador, empresário Everardo Telles, diz que a cachaça tem boa margem de lucro, mas mercado limitado; com o etanol é o inverso
O que é melhor: produzir cachaça ou uma energia de fonte renovável e limpa, o etanol?

São coisas diferentes. Na produção da cachaça, você tem um valor agregado bem melhor, mas você tem um mercado limitado. O etanol, ao contrário: não tem valor agregado, é uma commodity, você produz e vende, mas por outro lado você tem um mercado ilimitado. Porém, o preço do etanol é espremido, com margem quase zero, quando não é zero, e tem época que é zero. Por causa disso, muita empresa tem fechado. Assim, a situação do álcool é a inversa da situação da cachaça.

Você só descobriu isso quando inaugurou sua fábrica de etanol em Jaguaruana?

Não! Eu já sabia dessa situação. Ocorre o seguinte: a gente tem sempre o espírito empreendedor, aquela coisa de crescer, produzir, desenvolver, dar emprego, gerar renda, ver as coisas acontecerem. Então, eu estou sempre ampliando as fábricas. Só que, quando eu as amplio para produzir mais, eu caio na seguinte situação: o que eu faço daquela produção que não tem mercado? Eu sou forçado então a ir para o álcool. Há dois anos, eu produzo etanol na indústria de Paraipaba e na de Ceará Mirim (no Rio Grande do Norte); na indústria de Jaguaruana, essa produção começou muito recentemente. Hoje, nós produzimos etanol em três fábricas.

Quais são os números dessa produção?

Na fábrica de Ceará Mirim e na Paraipaba, eu produzo álcool do que sobra para a produção de aguardente, porque não é negócio ficar estocando cachaça para esperar a melhor oportunidade de comercializa-la.

É por que a maquinaria dessas duas fábricas não é tão moderna quanto a de Jaguaruana?
Não! É que, quando a gente chegava no limite da necessidade de produção para o mercado de aguardente, a gente voltava para o etanol. Em Jaguaruana foi diferente: como eu já produzo excedente de álcool nas outras duas, então, logicamente, a produção de Jaguaruana é toda para etanol. E nós estamos prevendo, com o excedente de Paraipaba e com a totalidade da produção de Jaguaruana, chegar ao redor de 60 milhões de litros de etanol por ano. Ou seja, 40%, mais ou menos, de tudo o que o Ceará importa hoje de etanol. O Ceará importa 180 milhões de litros de etanol por ano. Desse total, vamos fornecer, no médio prazo, 60 milhões de litros, ou seja, um terço do que ele consome de etanol.

A moagem em Jaguaruana já começou?

Já começamos a moagem da safra, mas no começo moemos pouco, mesmo porque, quando a indústria começou a operar, era o final da safra e tínhamos pouca cana. Agora, já estamos plantando cana, temos já os fornecedores da matéria prima nos municípios vizinhos. A nossa indústria tem a capacidade de produzir até 1 milhão de toneladas de cana por ano. Agora, eu só vou chegar a esse teto dentro uns 4 ou 5 anos. Nosso limitador é a matéria prima. Lá em Jaguaruana, não havia um só pé de cana. Muitos agricultores, que hoje plantam cana lá, nem conheciam a cana. Então, quando a nossa produção e a dos fornecedores chegarem ao volume que esperamos, aí nós poderemos utilizar toda a nossa capacidade de produção de álcool, algo que esperamos para os próximos 4 ou 5 anos.

A área do seu próprio cultivo é irrigada?

Sim, toda a área é irrigada. A previsão lá é de irrigarmos 5 mil hectares de cana, lá em Jaguaruana. Antes de inaugurarmos nossa indústria de Jaguaruana, já éramos, havia 15 anos, a empresa com a maior área agrícola irrigada do Ceará. E agora daremos um salto muito grande, porque lá iniciamos o primeiro ano com 800 hectares, agora devemos ir para uns 2 mil hectares. E não somente nós, mas os fornecedores de cana, também.

Lá em São Paulo, o corte da cana é feita de maneira horrível. São os "bóias frias" que fazem esse trabalho. Como é que a Yióca corta sua cana em Jaguaruana e nas outras áreas da empresa?

Toda o corte de nossa cana, há muitos anos, não usa um só trabalhador com facão na mão. Tudo é mecanizado. São máquinas que custam em torno de R$ 1 milhão cada uma. Essas máquinas colhem a cana, cortam a cana em pedaços e a colocam sobre o caminhão. E ainda cortam e separam a palha. Cada máquinas dessa substitui cerca de 100 a 120 homens. Nós temos hoje 10 máquinas dessas.

Quer dizer, são 1.200 homens dispensados?

São. Agora eu quero dizer que há muito exagero nessa coisa de trabalho escravo na cultura da cana. Existe, mas não são todos os industriais do setor, no Sul ou em outros cantos do País, que não dão condições de alimentação e de hospedagem. Vou dizer o que acontece: muitas vezes, a fiscalização não tem a noção da simplicidade em que vive o homem do campo. Aí a fiscalização vê instalações muito simples e acontecem casos em que o cidadão trabalhador tem à sua disposição uma área própria, bem protegida, para que ele, sentado, faça a sua refeição com tranquilidade, mas ele prefere ficar à sombra de uma árvore. Então, ele deixa o banco do refeitório montado para o conforto dele e vai para o tronco de uma árvore. Isso é da cultura dele. Outro exemplo: a Lei manda que, no dormitório dos trabalhadores, se coloque uma cama com colchão assim, direitinho e tudo, para cada funcionário. Aí, muitas vezes, o trabalhador chega e diz: por favor, eu passei a noite acordado. Eu só durmo em rede, doutor, e aqui só tem cama. Mas isso não é generalizado, acontece só com algumas empresas. Mas isso vai rapidamente mudar, porque o corte da cana já está sendo mecanizado.

Quer dizer que o cortador de cana vai desaparecer?

Não totalmente, porque as máquinas só trabalham até uma certa declividade. Nos tabuleiros costeiros, o corte da cana continuará sendo feito pela mão humana. No nosso caso aqui no Ceará, e porque nossas áreas são planas, todo o nosso corte é mecanizado.

Como a Ypióca cuida do meio ambiente?

Essa questão é interessante. Desde a primeira geração de nossa família, tivemos essa preocupação. A propriedade onde tudo começou, em Maranguape, tem um serrote do qual nunca foi retirada uma só estaca. Meu bisavô, meu avô e meu pai diziam: aqui ninguém mexe, deixa essa reserva aí. Mata ciliar em torno de riacho, de rio ninguém respeita, mas todo riacho e rio que cortam nossas propriedades têm mata ciliar, e todos esses cuidados nós temos com o meio ambiente.

Como está sendo comercializada a produção de etanol?

Nós recebemos muita consulta para exportar o álcool. Mas nossa produção ainda é pequena e voltada para o mercado interno brasileiro. Temos distribuidores de álcool que nos compram, tanto aqui como em outros estados. Futuramente, vamos vender também para as distribuidoras multinacionais e vamos chegar ao mercado externo, quando a produção estiver maior.

A tributação para a cachaça é alta. E para o etanol?

Para o etanol também é alta. É um dos aspectos que pesam muito nos custos. Às vezes, o Governo reduz a quantidade de álcool a ser adicionada à gasolina, como aconteceu recentemente, porque a oferta de etanol está baixa. Mas está baixa porque a margem é muito pequena, o preço de venda é baixo e desestimula a produção. Essa produção pode ser maior e o País poderia estar produzindo muito mais. Os EUA produzem, com o milho, mais etanol do que o Brasil. Eles têm custo de produção maior, porém produzem, em volume, mais do que o Brasil.

Aposta ambiental
Ypióca na energia


No seu imenso e confortável gabinete de trabalho na Avenida Washington Soares, em Fortaleza, no último piso de um moderno prédio de quatro andares, cuja fachada envidraçada é redonda para lembrar um tonel de aguardente, o engenheiro agrônomo Everardo Ferreira Telles, controlador da Ypyóca, passa o dia em reuniões com seus executivos e, do ano passado para cá, também com empresários do ramo de combustíveis e com representantes de importadores europeus e norte-americanos, todos interessados no mais novo produto de sua empresa: o etanol. Ele sabe que é verde o futuro do mundo. Isto quer dizer que investir em fontes alternativas de energia é política e ambientalmente correto, além de um bom negócio. Há 160 anos, a Ypyóca produz cachaça, cujas garrafas enfeitam bares e residências da Europa, da Ásia, dos EUA e da Austrália, para cujos países é exportada. Agora, ela fabrica também o etanol, combustível desenvolvido pela inteligência brasileira para mover automóveis e reduzir a emissão de CO2, o causador do efeito estufa que aquece o planeta. Por enquanto, a produção de etanol da Ypyóca é pequena, mas dentro de cinco anos será suficiente para garantir o fornecimento de um terço dos 180 milhões de litros que, anualmente, o Ceará todo consome.
 Fonte: Diario

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo seu comentário!!!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...