quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O Direito nem sempre é sinônimo de Justiça

Por: Paulo Mourão

O desenvolvimento do pensamento humano é um fato notório. A maioria das atividades humanas tem sofrido significativas mudanças no seu modus operandi. Esse modelo já domina o imaginário humano, sendo fácil de ser percebido quando a Ciência estabelece axiomas, Ciência com uma conotação genérica, a serviço dos grandes interesses, de maneira que sutilmente ou explicitamente estabelece valores, desde o que vestir até as mais diferentes formas de cerimônias fúnebres.

Talvez, isso não seja novidade, pois quem não queria se vestir como os egípcios ou pensar como os gregos ou praticar a justiça dos romanos ou viajar como os portugueses e espanhóis ou nunca ver o sol se pondo como o Império Inglês, a perfeição idealizada pelos alemães ou ricos como os americanos.

Diante dessas mudanças e influências o Direito não ficou isento. A própria História pode nos dizer algo. Ao fazer uma breve leitura sócio-política do papel do Direito, concluiremos que o mesmo não deixou de ser influenciado pelas tendências do pensamento humano. Serviu de divisor de águas ou de meio de dominação, segundo a leitura marxista; como designo de Deus; estabelecendo um axioma; ou ainda como um meio de exteriorização das relações sociais criadas pelo homem.

Por mais hercúleo que seja o esforço, sempre encontraremos o Direito no banco dos réus do tribunal da História. É evidente que mudanças positivas ou, talvez positivistas, aconteceram, mas sempre limitadas por uma mão invisível. Seria esta mão a força da Ideologia? Ou apenas a vontade dos mais fortes? O Direito romano denominava de “gentil” quem não conhecesse as suas leis, os gregos também estigmatizavam os que não amavam a sabedoria, chamando os que não a possuíam de “bárbaros”. Talvez, argumenta-se hoje, que esse Direito era oriundo de povos da antiguidade. Os portugueses descobriram um Novo Mundo e o dividiram em tratados, inclusive o Brasil. Mas os índios não tinham direito às suas terras ou vidas, o Direito dos europeus não tinha um artigo acerca do roubo, do latrocínio ou sobre a condição análoga de escravos. Observa-se que o Direito do século XVI ao XVII está viciado pelo interesse dos mais fortes, como mostra a historiografia atual. Os negros não tinham alma, aquele que não cresse na santa Igreja Católica seria condenado à morte, eram juízos elaborados pelos papas e juízes.

Os reis eram os representantes de Deus que nunca falhavam, segundo o Direito Canônico. Então, fala-se que esses acontecimentos são resultados de uma mentalidade retrógrada, que a Modernidade aboliu a escravidão e estabeleceu a desejada liberdade religiosa. Que esse Direito foi pensado pela Nobreza e o Clero, mas a Burguesia crê no Estado de Direito e no lema “Igualdade, Liberdade e Fraternidade”. Esta ideologia fundamentou os artigos dos direitos universais do homem. A Idade Média foi sepultada junto com o absolutismo, sua superstição e seus religiosos e senhores feudais, agora uma Constituição estabelece um Estado de Direito, que esse Estado não admitirá escravidão, a intolerância, o homem é o centro do universo e Deus ficará no seu devido lugar.

A História insiste em anunciar a noticia criminis para o inquérito dos fatos. A França, mãe da guilhotina colonizou a Argélia e saqueou grande parte do continente africano, porque esse continente não era industrializado. A Inglaterra, do due process of law, mãe da Revolução Gloriosa e berço da Revolução Industrial, colonizou a Índia, porque eles não tinham uma rainha, ou melhor a deusa Ciência.

A criação de uma legislação favorável ao aborto, como outras leis já criadas noutros tempos, parece legitimar a eliminação de seres humanos de modo eficiente, uma vez que não será necessária uma ideologia para eliminar os excluídos da história, bastando que os elimine antes de nascerem.

Os fatos históricos apontam um Direito que legitimou e legalizou o morticínio de homens e mulheres, de raças, credos e saberes diferenciados, mostram um Direito, que está muitas vezes a serviço de grupos de interesses. Ficando claro que uma determinada lei pode ser condicionada por valores dissonantes aos anelados da sociedade civil. Assim é bem provável que uma legislação pode atender ao âmago de certo grupo e a exclusão de outro. Que certas leis são promulgadas ou outorgadas para atender a uma ideologia dominante, uma maneira de controle social imposta, de acordo com finalidades do momento histórico vivenciado.


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